terça-feira, 20 de outubro de 2009

Liberdade de expressão

Por Antonio Ozaí da Silva em 20/10/2009

“… Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda…”
(Cecília Meireles)[1]

“Ninguém luta contra a liberdade; no máximo, luta-se contra a liberdade dos outros. Por isso, todos os tipos de liberdade existiram sempre, às vezes como uma prerrogativa particular, outras como um direito geral”
(Karl Marx)[2]

Rosa Luxemburgo afirmou que a liberdade é sempre a liberdade de quem pensa diferente de nós. É hipocrisia falar em liberdade se a restringirmos aos “nossos”, aos que “professam a mesma fé” e freqüentam a “mesma igreja” e a negamos aos “hereges” e aos que nos “ofendem” com as suas críticas. A verdade é que, em geral, não gostamos da crítica. Ela pode abalar nossas certezas, tumultuar nossas mentes e sentimentos – em especial, quando o ego é inflado.

É um raciocínio artificioso negar o direito de expressão em nome dos formalismos acadêmicos ou da crítica bem-comportada. Também é um artifício recusar o direito do outro exprimir a crítica com o argumento de que a crítica é ideológica. Há certos ideólogos que não vêem a si mesmos enquanto defensores de ideologias. Certa feita diverti-me com o argumento de que a crítica a um determinado filme era ideológica, como se a defesa da obra em questão não o fosse. Não há crítica nem defesa isentas de valores ideológicos. Mas existem os “guardiões das verdades eternas” que aprisionam a liberdade de expressão a determinados “campos ideológicos”. Os menos sectários e intolerantes até aceitam a crítica, desde que esta seja interna, isto é, formulada no interior da “Igreja Universal”, a qual abarca os “profetas” e “salvadores da humanidade” que compartilham os mesmos “ismos”.

Não existe liberdade de expressão se o indivíduo e/ou grupo define o objeto e a abrangência da crítica; a liberdade de expressão é uma ilusão se limitada pela ideologia e/ou religião. A rigor, nada está livre da crítica. E se esta não for livre, apenas demonstra o grau de autoritarismo e intolerância presente na sociedade e, paradoxalmente, muitas vezes amparadas por críticos dessa e pretensos defensores da liberdade de expressão. Existem os que defendem a liberdade de crítica desde que “entre os nossos”. Tais paladinos da liberdade, se pudessem controlar o Estado e a sociedade, não vacilariam em negá-la aos que pensam diferente deles. Infelizmente, a história oferece provas factuais e nem todos aprenderam com os erros cometidos no passado. Ou a liberdade implica no direito do outro divergir ou é uma farsa.

A sociedade e o Estado, em maior ou menor grau, impõem limites materiais e legais à liberdade de expressão. Tenho a liberdade de escrever, mas me faltam as condições econômicas para publicar e dependo do mercado editorial. Posso escrever meu artigo, mas nada me garante que será publicado no jornal da cidade que moro. Há também o limite psicológico e moral, valores e crenças que internalizamos. Nem sempre escrevemos tudo o que pensamos.

Na verdade, a liberdade de expressão é limitada pela “patrulha ideológica” externa e interna, somos vigiados e nos vigiamos. Não obstante, ela é fundamental e necessária. Se almejamos a coerência entre a utopia anticapitalista e a nossa práxis, devemos adotar sua defesa como uma conduta. Mas não se limitando à cômoda defesa da “minha” liberdade e/ou dos “meus”. É essencial defender a liberdade do “outro” se expressar, ainda que sua língua seja ferina e a crítica nos melindre e perturbe. Se a crítica causa desassossego e instiga a pensar, cumpriu o seu papel. Recusar a liberdade de expressão ao crítico não é apenas um sintoma do autoritarismo, é também a recusa ao pensar e o temor de questionar as próprias verdades.

[1] MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.

[2] MARX, Karl. Liberdade de Imprensa. Porto Alegre: L&PM, 2006.

Fonte: http://www.consciencia.net/?p=977

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