domingo, 22 de agosto de 2010

O que há por trás do debate do petróleo


Reivindicação constante do movimento social, o monopólio da exploração do petróleo ganha sustentação concreta em dados recentes

20/08/2010
Alessandra Murteira
e Leandro Uchoas
do Rio de Janeiro



Desde a descoberta do pré-sal, em 2008, a discussão sobre o papel socioeconômico do petróleo no Brasil tornou-se, além de mais complexa e importante, mais polêmica. A devastação neoliberal dos anos 90 trouxe ao país o modelo predatório da concessão. Através dele, recursos vêm escorrendo pelo ralo durante uma década. A atual gestão do governo federal propõe a mudança para o modelo de partilha, que permitiria ao Estado recuperar parte da capacidade de exploração. Entretanto, os movimentos que orbitam em torno da campanha “O Petróleo tem que ser nosso” defendem uma soberania maior. Segundo eles, apenas o monopólio estatal possibilitaria a garantia de melhor gestão dos recursos, gerando desenvolvimento e avanço social. Para os que acompanham o debate, essas informações não são novidade. O que há de novo são números recentemente divulgados que dão sustentação à argumentação das organizações sociais.


Os dados históricos são aterradores. Nos últimos onze anos, já foram realizados nove leilões, sendo que as decisões tomadas no penúltimo estão sendo contestadas judicialmente. Ao todo, 691 blocos para exploração de petróleo e gás natural foram vendidos, a R$ 7,8 milhões (preço médio). O bloco BMS-11, onde se encontram os campos de Júpiter e Iara, é o exemplo maior das perdas do país com os leilões. Foi leiloado por 7,6 milhões de dólares há dez anos. O petróleo lá encontrado nesse período teria um valor estimado 74 mil vezes maior – 560 bilhões de dólares. Sócia da Petrobras na compra, a BP – grupo britânico responsável pela tragédia ambiental no Golfo do México – terá direito a 87,5 bilhões de dólares desse montante. A empresa pagou apenas 1,9 milhão de dólares no leilão de 2000.



Caminho inverso

O exemplo brasileiro – e de vizinhos latinoamericanos – vai na contramão da tendência mundial. Em outros países, o caminho da exploração, desenvolvimento e produção de energia fóssil, há mais de meio século, ruma para um maior protagonismo estatal. Nos anos de 1970, as transnacionais controlavam 85% das reservas, enquanto as estatais tinham apenas 1%. Na década seguinte, a participação das estatais já havia subido para 59%, enquanto as corporações ficavam com apenas 12%. Há quatro anos, as estatais tinham 77% – as transnacionais 6%. “O caminho observado no mundo, do privado para o público, foi o inverso do observado no Brasil e nos demais países da América Latina, da privatização, resultado da implantação das políticas neoliberais”, afirma Henrique Jaguer, economista do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio Econômicos (Dieese).


Alguns críticos da exploração brasileira do pré-sal afirmam que o Brasil estaria na contramão de Estados Unidos e Europa, que teriam suspendido temporariamente a prospecção de novas reservas de petróleo. Para Henrique, os críticos seriam “lobistas das empresas privadas, que trabalham diuturnamente contra o aumento da participação do Estado no controle de nossas reservas de petróleo”. A exploração de petróleo no Mar do Norte começou na década de 1950. A maior parte das reservas de então já foram exploradas. A produção no local estaria em decadência mais pela exaustão das reservas do que por preocupação ambiental. O caso brasileiro seria diferente até mesmo pela necessidade maior de desenvolvimento social, que poderia ser alavancado a partir da exploração sustentável dos recursos da energia fóssil.



Estado protagonista

Para João Antônio de Moraes, coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP), o país não pode reduzir seu papel ao de mero regulador. O Estado brasileiro, para ele, deve buscar ser protagonista por completo do setor energético. “Nós consideramos que a energia é estratégica, particularmente o petróleo. Ele é a base de mais de quatro mil produtos que usamos em nosso dia-a-dia. O recurso está se exaurindo, e o consumo crescendo. E isso torna muito complicada a situação da humanidade”, diz. O constante crescimento dos dois países que têm uma população somada equivalente à metade da mundial, China e Índia, só faz aumentar a preocupação com a produção de petróleo.


Em menos de meio século, segundo os analistas mais otimistas, já não será mais possível aos países manter o atual padrão de consumo. Portanto, conceber o modelo ideal de exploração e produção, nos próximos anos, torna-se elementar. “Se antigamente já era estratégico, hoje é ainda mais. As empresas privadas que produzem esta riqueza têm muito mais compromisso com as nações que detêm os seus capitais do que com as nações onde elas operam. A quem servirá a Shell, a Exxon e a BP quando o petróleo for muito mais disputado do que é hoje? Por isso defendemos uma Petrobras 100% estatal e pública. Petróleo não é mercadoria, petróleo é um bem social, petróleo é soberania”, afirma Moraes.



Mais controle

Os dados da tragédia provocada pela BP no Golfo do México também têm sido tomados como exemplos para a postura do Estado e das empresas no futuro. O maior desastre ambiental da história da América do Norte não apenas manchou a imagem da transnacional britânica, mas também trouxe à tona uma série de novos questionamentos. Um deles é a distância da voz dos trabalhadores da mesa de decisões. Uma série de documentos recentemente divulgados revela que o desastre já havia sido amplamente anunciado por sindicatos. “A segurança tem que sair das páginas dos relatórios sociais e virar atitude concreta. Esta indústria não pode continuar matando trabalhadores e poluindo o meio-ambiente”, afirma Henrique.


Informações reveladas pela própria BP colocam o Brasil em décimo lugar no mundo em exploração de energia fóssil. Atualmente, o país consome 228.100.000 toneladas de óleo, 2% do total no mundo. O índice de consumo por habitante, entretanto, está bem abaixo daquele dos países de maior consumo – 1,16 tonelada por habitante, enquanto o Canadá e os Estados Unidos, maiores consumidores, têm 9,93 e 7,56, respectivamente. A China, embora tenha um consumo per capita pouco superior ao do Brasil (1,51), fica atrás apenas dos Estados Unidos em consumo – nove vezes maior que o índice brasileiro. Os estadunidenses também lideram o ranking dos deficitários em energia fóssil, seguidos pelo Japão em segundo e pela China em terceiro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário